The Opinion Makers - Diogo Ventura (em 30set2025)
GRANDE REPORTAGEM: Fisco explica como motorista pagava as contas de Sócrates
Inspetor tributário explicou os circuitos financeiros que começavam em depósitos em numerário de Santos Silva e serviam para motorista pagar contas de Sócrates. Testemunho abordou ainda casa de Paris.
A segunda sessão de depoimento do inspetor tributário Pedro Cardigos entrou a fundo em alguns dos circuitos financeiros tidos pelo Ministério Público (MP) como mais comprometedores para José Sócrates. Por um lado, as ligações a Carlos Santos Silva como alegado ‘testa de ferro’ na célebre história da casa de Paris na qual o ex-primeiro-ministro viveu após deixar o Governo; por outro, os pagamentos feitos pelo motorista João Perna em benefício de José Sócrates, com verbas depositadas na sua conta a partir de levantamentos em ‘dinheiro vivo’ feitos por Carlos Santos Silva das suas contas bancárias em Portugal.
Pagamentos da revisão do carro de José Sócrates, do tratamento da sua ex-mulher Sofia Fava numa clínica dentária ou do condomínio da antiga habitação do ex-primeiro-ministro no edifício Heron Castilho, em Lisboa — todas estas movimentações financeiras foram feitas através da conta do motorista João Perna, segundo o depoimento do inspetor tributário.
Pela segunda sessão consecutiva, que arrancou esta terça-feira com mais de meia hora de atraso devido a problemas técnicos na sala (primeiro um curto-circuito numa tomada e depois um problema no sistema de gravação), a primeira testemunha arrolada pelo Ministério Público (MP) no julgamento da Operação Marquês continua a esclarecer alguns dos circuitos financeiros em torno do antigo governante.
Para a acusação, a sucessão de depósitos, levantamentos e pagamentos envolvendo as contas do empresário Carlos Santos Silva e do motorista João Perna sustentam a suspeita de terem sido efetuados no interesse do principal arguido do processo, ou seja, José Sócrates.
Na primeira presença no Juízo Central Criminal de Lisboa, na passada quinta-feira, o funcionário da Autoridade Tributária declarou que José Sócrates raramente sabia quanto dinheiro tinha no banco e que recebia sempre dinheiro quando o saldo ficava negativo ou perto disso, conforme revelou a SIC Notícias. Esta terça-feira, Pedro Cardigos prosseguiu a verificação de várias situações em que a conta de João Perna foi utilizada em benefício de Sócrates.
Os exemplos dos pagamentos de Perna em nome de Sócrates
Perante o coletivo presidido por Susana Seca e em resposta às questões do procurador Rui Real — acompanhado nesta sessão por Rómulo Mateus e Hugo Neto (um dos procuradores responsáveis pela Operação Influencer e pelo processo EDP) —, a testemunha explicou como fez a correlação entre os diferentes movimentos financeiros e o interesse de José Sócrates. Um desses exemplos ocorreu em fevereiro de 2014, no qual explicou que foi feito um depósito em numerário na conta de João Perna, com fundos originários de um levantamento prévio da conta de Santos Silva, e que depois foi da conta do motorista que foi feito o pagamento do condomínio do ex-primeiro-ministro.
Questionado se havia mais alguma forma de sustentar a correlação de circuitos financeiros entre João Perna e José Sócrates além dos recibos existentes, Pedro Cardigos assinalou que houve também a valorização de escutas telefónicas. Algumas dessas interceções foram reproduzidas na sala de audiência, como uma em que se ouve João Perna a conversar com um sobrinho. Nesta conversa, o motorista indica ao sobrinho que iria falar com Sócrates para pedir o dinheiro para arranjar um computador e que aproveitaria já para pagar o condomínio do edifício onde morava o ex-governante.
Um outro exemplo exibido no tribunal foi uma fatura da Santogal referente à revisão do carro de José Sócrates com o talão de multibanco de João Perna, no valor de 1.097,81 euros, tendo o inspetor tributário apontado a existência de levantamentos da conta do amigo do ex-primeiro-ministro próximos dessa data. “A correlação que fizemos foi que eram valores levantados da conta de Carlos Santos Silva em dias anteriores superiores aos que depois eram dados a João Perna e que nos dias anteriores não houve levantamentos da conta de José Sócrates”, explicou.
A reforçar a ligação na prova do MP, estes e outros documentos, como o cheque de 6.050 euros passado por João Perna à clínica dentária Malo para o pagamento de despesas de um tratamento dentário, foram encontrados na busca efetuada na casa do ex-motorista de Sócrates. “Pelas intercepções telefónicas, a conclusão a que cheguei foi que os serviços não foram para ele, mas para a ex-mulher Sofia Fava”, referiu, com o MP a solicitar de seguida a reprodução de nova escuta, na qual se ouve Sócrates a falar da ida da ex-mulher àquela clínica dentária.
No entanto, também houve outros movimentos cuja ligação entre os diferentes intervenientes foi mais difícil de comprovar perante o tribunal, com a juíza a apontar o desfasamento temporal mais longo, de quase dois meses, entre um levantamento no início de novembro de 2011 e o posterior pagamento em 3o de dezembro desse ano. Nesse caso, a testemunha explicou que aplicou um raciocínio dedutivo em função da “cronologia de acontecimentos”, não conseguindo comprovar factualmente essa ligação.
A chegada à casa de Paris
De tarde, o depoimento da primeira testemunha do julgamento rumou até Paris, com Pedro Cardigos a abordar, finalmente, os factos do processo em torno do apartamento no qual José Sócrates viveu após deixar o Governo. O inspetor tributário revelou ter dividido a análise deste segmento da acusação em quatro fases, partindo de todo o material obtido na investigação, as escutas, os emails e os documentos apreendidos nas buscas.
Começando a “contar a história” no tribunal, referiu que a primeira fase começa com o “ano sabático” que José Sócrates tirou após deixar o Governo, viajando para Paris para estudar. Pedro Cardigos salientou que naquela altura “ainda não havia casa de Paris” e que foi então que o ex-governante “pediu um empréstimo à CGD”, em junho de 2011, no valor de 120 mil euros.
Questionado sobre os meios com que Sócrates viveu nesse período, o inspetor tributário assumiu que não teve acesso à conta da CGD de Paris, mas que “entre setembro de 2011 e setembro de 2012 houve pagamentos e transferências de 160 mil euros da conta da CGD para a conta de Paris”. Os valores em causa, sustentou ainda o funcionário do Fisco, tiveram origem no empréstimo e em verbas da mãe de Sócrates, a partir da venda de casas.
Pedro Cardigos esclareceu que a segunda fase da análise arrancou com a aquisição da casa de Paris, em agosto de 2012, a terceira fase começou com as obras no apartamento, em setembro de 2013, e, por fim, a derradeira fase foi definida a partir do que considerou ser uma “mudança de atitude” em José Sócrates, que atribuiu à divulgação de “notícias” na comunicação social sobre o ex-primeiro-ministro e o seu amigo. Instado a clarificar que alterações existiram, o funcionário da Autoridade Tributária — colocado no Ministério Público há quase 20 anos — revelou que Sócrates passou a ser arrendatário do imóvel detido pelo amigo Carlos Santos Silva, com um contrato que disse ter sido elaborado em data posterior à sua vigência.
“As verbas foram todas utilizadas a partir da conta de Carlos Santos Silva. Em França, pelo que percebi, os valores não foram pagos ao proprietário, mas ao notário, que depois procedeu ao pagamento”, declarou, detalhando as duas transferências feitas no verão de 2012 pelo amigo do ex-primeiro-ministro para a compra do apartamento e que ascenderam a quase três milhões de euros. Além disso, Pedro Cardigos contou ter detetado também “o pagamento desta conta à empresa de condomínio”.
E se José Sócrates alegou no passado que as indicações que deu sobre a renovação do apartamento eram uma opinião e que o verdadeiro detentor era Santos Silva, o inspetor tributário foi claro: “A palavra final, parece-me, era de José Sócrates”. A sustentar estes elementos, o MP pediu inclusivamente a reprodução de uma escuta na qual Sócrates fala a Santos Silva sobre o encontro com o arquiteto Benny Benlolo e a escolha de materiais, designadamente portas.
A renovação do apartamento e o papel de Gonçalo Trindade Ferreira
De acordo com a testemunha, Carlos Santos Silva delegou no advogado Gonçalo Trindade Ferreira (também arguido) os contactos com o arquiteto e o processo negocial da renovação. Embora a pronúncia para julgamento refira uma atuação em conluio com Sócrates e Santos Silva neste dossier, o MP questionou se a atuação de Gonçalo Trindade Ferreira “foi subordinada a alguém”.
Pedro Cardigos veio confirmar que este arguido “prestava contas a Carlos Santos Silva”, sublinhando posteriormente, em resposta a questões da defesa do arguido (a cargo de Ana Marques): “O Dr. Gonçalo Trindade Ferreira não faria as coisas sem a direção de Carlos Santos Silva”. Declarou ainda que este não teria recebido quaisquer instruções diretamente de Sócrates nesse período.
Subsequentemente, era a vez de Santos Silva efetuar pagamentos “ao arquiteto” e dar conta dos avanços e recuos neste processo a Sócrates. “Quando se iniciam as obras, José Sócrates teve de sair da casa. Na altura, recordo-me que estava com ele em Paris a Sofia Fava e o filho Eduardo, que estava a estudar em Paris”, recordou o inspetor tributário, continuando: “As obras sofreram percalços em termos de término da obra. Ele [José Sócrates] irritava-se muito com a demora das obras”.
Pedro Cardigos adiantou que o contrato de arrendamento que viria a ser estabelecido para José Sócrates foi “elaborado em janeiro de 2014”, embora o ex-primeiro-ministro já ocupasse anteriormente o apartamento. A verificação da data do contrato foi, segundo a testemunha, feito através de meios informáticos, embora não tenha sabido explicar como à juíza Susana Seca.
Em relação à análise da conta de Gonçalo Trindade Ferreira, o inspetor tributário ligou a atuação do arguido no pagamento de impostos por causa da compra da casa e que foram acompanhados de saídas da conta bancária de Carlos Santos Silva para cobrir esses pagamentos.
Advogado de Sócrates questiona relevância do depoimento
Sem o seu cliente em tribunal, o advogado de José Sócrates atacou a relevância do depoimento de Pedro Cardigos, apesar de constar igualmente no seu lote de testemunhas arroladas para o julgamento. Para Pedro Delille, a atuação do investigador tributário como suporte à acusação do MP levanta dúvidas quanto à motivação das diligências.
“Este depoimento não tem a mínima relevância por si. Só é relevante no conjunto da prova da acusação, estamos a falar do lote de pessoas subordinadas ao MP. Baseia-se no relatório que sustenta a acusação”, disse, remetendo para o futuro nova confrontação da testemunha com os seus argumentos: “Guardo para o fim quando for produzir a prova, não vou agora chamar a atenção para os absurdos todos que este depoimento teve, quer jurídicos, quer factuais, para o Ministério Público corrigir nos depoimentos seguintes”.
Pedro Delille criticou os critérios que nortearam a atuação do inspetor tributário na investigação, ao analisar determinados documentos e excluir outros, questionando-o sobre quais os crimes de que estaria à procura. “Não tinha a função de saber qual era a suspeita. Mandaram-me analisar a conta. Não tenho a competência para saber os crimes que estavam em causa… Claro que, se calhar, nos disseram quais os crimes que estavam em causa, mas não me recordo. Posso dizer fraude fiscal, branqueamento, corrupção, mas não sou especialista em direito”, referiu a testemunha.
O mandatário do ex-primeiro-ministro procurou também desvalorizar a descrição feita na sessão anterior de que José Sócrates não sabia quanto dinheiro tinha no banco e que recebia sempre dinheiro quando ficava com saldo negativo ou perto disso. “Ou se faz um depósito, um crédito ou transferências para uma conta… Se isto se faz em qualquer conta, gostaria de saber porque é que isso é suspeito na conta de um primeiro-ministro”, argumentou.
Pedro Cardigos revelou ter considerado que o valor que terá tomado como próximo de zero seria “provavelmente abaixo de 5.000 euros”, com Pedro Delille a salientar que durante os seis anos de governação de Sócrates só por “três vezes” é que teve o saldo da sua conta bancária negativo.
A audição de Pedro Cardigos prossegue esta quarta-feira, a partir das 9h30, no Juízo Central Criminal de Lisboa. Da parte da tarde poderá já arrancar o depoimento da segunda testemunha, a inspetora tributária Sandra Teixeira.
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