O "meu" 25 de Abril (Parte I)
Campo de Instrução Militar de Santa Margarida
Batalhão de Engenharia nº 3
Quarta-feira, 24 de Abril de 1974, 22:55 horas
São quase 11 horas da noite e já entreguei no gabinete do oficial de dia ao QG do CIM (Campo de Instrução Militar) o relatório da ronda acabada de efectuar aos paióis. As temperaturas estão registadas, os cadeados das portas foram verificados, o pessoal está nos postos.
A caminho do nosso quartel, o Martins, o meu fiel condutor da Land Rover, desafia-me para uma partida de snooker: “Só uma partidinha… Hoje estou com uma fezada que lhe ganho”. Concordo e lá vamos para a messe de sargentos. O “barista” dormita encostado ao balcão e, com cara de quem já não esperava mais clientes, diz-nos: “Depressinha que tenho que fechar antes da meia-noite”. Duas minis fresquinhas escorrem-nos pelas goelas abaixo e começo eu. Nas duas primeiras tacadas entram a “1” e a “5”. Giz no taco, aponto à “3”, preparo o efeito… e aparece o Sargento da Guarda ao Quartel. “Quem é o Sargento de Dia ao Piquete?” pergunta ele. Com uma tacada brusca meto a bola no buraco do canto. “Sou eu, porquê?” – respondo-lhe com maus modos. Com o ar mais importante do Mundo diz-me: “O Nosso Segundo Comandante está à tua espera no edifício de Ordem Pública do QG. Vai lá depressa”. Prontos… lá se foi uma vitória certa. Boina na cabeça, blusão apertado e lá vamos a caminho do Quartel-General. Em 10 minutos estamos lá. À porta de armas informam-nos que deveremos ir imediatamente para a Sala de Operações. Entro, faço a continência e com um olhar rápido inventario os participantes na reunião: Um Major, o meu Segundo Comandante; três Capitães, dois do meu quartel e um de cavalaria; seis Alferes, todos do QG. Com ar grave diz-me o Major: “Ó Ribeiro, vamos entrar em prevenção rigorosa e quero que você me organize a defesa e protecção dos paióis. Ponha todos os seus homens do piquete a interditar as estradas de acesso e, a partir de agora, reporta directamente a este grupo de oficiais. Vá lá organizar as tropas e depois encontramo-nos na messe de oficiais do Batalhão”. Faço novamente a continência e respondo: “Sim senhor, meu Comandante. É para já”. Meia volta e em passo rápido dirijo-me para o jeep. O Martins, com o ar mais aparvalhado que já lhe tinha visto pergunta-me: “Então?! Vai haver merda?”. Sem lhe responder entro na viatura e com a mão aponto-lhe a direcção do quartel. Não me apetece falar… Ainda não digeri a ordem que acabo de receber. Tenho a certeza absoluta que aquilo que andamos a falar há uns tempos vai ser hoje.
Entro na caserna da 2ª Companhia de Sapadores e acordo o pessoal: “Está a formar rápido… Quero todos na parada em 5 minutos… Levantem rações de combate e encham os cantis de água… Quero toda a gente municiada e de capacete… Hoje não é exercício nocturno… É mesmo a sério”. Tenho absoluta confiança nos meus homens. São Sapadores de Engenharia, habituados a acompanharem-me em operações de interdição de pistas de aviação e desactivação de explosivos. Gente de barba rija.
Passam vinte minutos da meia-noite. No programa Limite da Rádio Renascença é transmitida a canção "Grândola Vila Morena" de Zeca Afonso. Está a começar o meu 25 de Abril.
O "meu" 25 de Abril (Parte II)
Campo de Instrução Militar de Santa Margarida
Batalhão de Engenharia nº 3
Quinta-feira, 25 de Abril de 1974, 00:20 horas
Tenho que ser rápido. Peço ao Martins que me leve para o jeep uma G3, um cunhete de munições e meia dúzia de granadas ofensivas. “E minis?... Não é melhor levar também minis?... Vou pedir ao murcão do barista para me arranjar umas minis!” – e lá vai o barrigudo do Martins tratar dos nossos mantimentos. Para ele, desde que haja minis está tudo bem.
Quando desço a avenida de Santa Margarida em direcção aos paióis vejo uma coluna a partir com destino a Porto Alto. São os gajos de Infantaria que estavam aqui a formar batalhão para partirem para a guerra na Guiné. Se tudo nos correr bem, estes já não embarcam para África.
As tropas estão nos locais previamente definidos por mim, a segurança está montada e ninguém entrará no perímetro dos paióis sem eu autorizar. Volto para o quartel e vou para a messe dos oficias. Aqui já todos sabem o que se passa. Há várias unidades a caminho de Lisboa, as operações militares estão em marcha e são irreversíveis. Nova tarefa é-me atribuída. É necessário organizar uma escolta para ir com as duas Mercedes de transporte de pessoal buscar os sargentos e oficias que moram no perímetro do Campo Militar. Temos que passar por Tramagal, Rossio ao Sul do Tejo, Abrantes, Barquinha… Porra, vai demorar umas duas horas. As ordens são precisas: Toda a gente vem para o quartel, ou para se juntar ao movimento ou para ser preso. Não houve problemas, a maior parte do pessoal já sabia o que se estava a passar. Só o Segundo Sargento da Secretaria do Comando é que ainda me disse: “E se eu desse parte de doente? Não seria melhor?”. Respondi-lhe: “Você é que sabe como quer ir para o quartel: ou na Mercedes ou no meu jeep, só que aqui vai sob ordem de prisão”. Remédio santo. Já estava a subir para a carrinha de transporte de pessoal.
De novo no Batalhão de Engenharia nº 3 onde está tudo em estado de sítio. A porta de armas está barrada com uma máquina escavadora. Consta-se que o quartel de Cavalaria, paredes-meias com o nosso, ainda não aderiu ao movimento. Há tropas em posição de combate debaixo dos alpendres das casernas. No gabinete do Oficial de Dia sou informado que terei que formar uma coluna para ir ocupar a barragem de Castelo de Bode. Já não me sobram homens para esta tarefa. Vou à caserna dos recrutas e é com estes que organizo as tropas. No jeep vou eu, o Martins, meu inseparável condutor e mais um cabo das transmissões que conheço bem. Na Berliet um cabo-miliciano da companhia de instrução e dez soldados. Vai também um moto-tanque dos bombeiros, com quatro homens. Objectivos: Ocupar o posto da GNR de Castelo de Bode, fazer protecção contra sabotagens às instalações da barragem e controlar a circulação de pessoas e viaturas na estrada nacional que a atravessa.
Fazemos uma refeição de atum com cebola, metemos uns casqueiros no bornal e lá vamos nós. É já a meio da tarde que chegamos à gigantesca reserva de água que abastece a região de Lisboa. Constava-se que a Legião Portuguesa tinha um plano para sabotar a barragem em caso de golpe de estado e assim tornar imprópria para consumo a água da capital. Nada de anormal aconteceu. Ainda me lembro da cara de espanto do GNR do posto da barragem aquando da nossa chegada. Por lá nos mantivemos até ao dia 28, sendo depois rendidos por um pelotão do Regimento de Infantaria de Abrantes.
Assim foi o "meu" 25 de Abril... E já lá vão uns anitos...
«Zé Zen» in Facebook >> Hà aqui Mouro que vai ficar com dor de tripas. :))
«João Barbosa» in Facebook >> acredite que me comovi
«Fernando António Fraga Pimentel» in Facebook >> Excelente visão do seu/nosso 25 de Abril.
«Zé Zen» in Facebook >> Caro david, pelo que me toca, um grande OBRIGADO. Abraço.
«Manuel António Sarmento Silva» in Facebook >> Bela efeméride, David. Em 74, nesse dia, já tinha deixado o exército, mas ainda me recordo de que estive a partir das 12:00, aompanhado de muitos populares em frente à Pide. Fazia parte desse grupo a Engª Virginia Moura e seu marido Engº Vital, ambos já falecidos.
«Fernando Roque» in Facebook >> Formidavel descrição dum dia historico, digno de um escritor. Bravo David e Feliz Pascoa.
«David Ribeiro» in Facebook >> Estes dois textos escrevi-os há já uns quatro ou cinco anos... Lembro-me bem que no dia em que os escrevi abri uma garrafa de Porto Vintage 1975, o primeiro Vintage declarado depois da Revolução de Abril e também o primeiro Vintage engarrafado totalmente em Portugal, por determinação legal. Foi um vinho de Inverno chuvoso, ano quente e seco, em especial no Verão, com alguma chuva no início de Setembro, antes da vindima; Vindima tardia, no início de Outubro; Pequena produção; Quase todas as empresas declararam, embora poucos vinhos sejam excepcionais, revelando-se menos duráveis do que se esperava.
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