"Devido à velocidade da luz ser superior à do som, algumas pessoas parecem inteligentes até as ouvirmos."
Sexta-feira, 30 de Agosto de 2013
Algumas reflexões sobre a Síria

O meu amigo José Costa Pinto, homem culto e grande estudioso das sociedades antigas e actuais, dizia ontem que não conhece a Síria contemporânea, sabendo no entanto muito sobre a Síria de há 2000 anos, mas como tem vindo a ler tudo o que encontra sobre o que se está a passar neste país do Médio Oriente, conclui o seguinte:

{#emotions_dlg.star} Algumas reflexões sobre a Síria

1. A minoria alauíta no poder - cerca de 10% da população - é de religião xiita e subsiste com muita dificuldade no seio de uma maioria sunita. As vicissitudes da história moderna entregaram-lhes o poder militar, que eles têm usado nos últimos 40 anos para evitar o seu extermínio pela maioria sunita. Como é comum na generalidade das sociedades humanas, o processo utilizado para se aguentarem foi o da ditadura político-militar, algo similar ao ocorrido no Iraque do tempo de Saddam Hussein e por razões similares;
2. A revolta iniciada em 2011, no contexto da Primavera Árabe, rapidamente degenerou num conflito armado de raiz socio-religiosa. Era igualmente de esperar. Os salafistas (al-qaeda, irmandade, etc.) tomaram o controlo do processo, apoiados pelos principados árabes, igualmente interessados em substituir a 'revolução' por uma nova ditadura de inspiração religiosa; uma república laica é a última coisa em que estes árabes estão interessados;
3. O conflito poderia ter acabado cedo - como na Líbia - se não fosse o supremo interesse do Irão (e, em menor grau, da Rússia) na Síria. Não só porque os alauítas são xiitas, mas sobretudo porque uma Síria xiita é o corredor necessário de acesso ao mediterrâneo pelo Irão. Este corredor é importantíssimo por razões económicas - a construção de um pipeline - e por razões políticas, já que a Síria tem uma posição estratégica como vizinho de Israel. O Irão tem há muito tempo jogado a cartada de ser o inimigo mais consistente de Israel no seio do mundo muçulmano. Por causa desse interesse do Irão, e também pelo apoio concorrente da Rússia, o regime alauíta tem aguentado militarmente;
4. Os alauítas vão suportar a guerra até ao limite. Perder não é opção. Perder é o extermínio ou o exílio;
5. A derrota dos alauítas, a acontecer, não significará o fim da guerra, mas apenas a sua deslocação para uma nova fase, em que as minorias - e não apenas a alauíta - serão perseguidas e, se necessário, exterminadas. É a pax salafita;
6. Obama e os americanos. Claro que a administração americana sabe tudo isto. A questão é que os ianques 'têm' de intervir sempre que a situação ultrapassa um certo limite, dado o seu papel de 'polícias' do cosmo e o que consideram ser os seus interesses geo-estratégicos. É difícil ser muito rigoroso nestas questões, e eu sou decididamente adverso a explicações reducionistas do tipo 'conspiração do complexo militar-industrial' ou outras. Sem negar que às vezes há interesses particulares que se manifestam, estou convencido que as decisões dos grupos políticos são o resultado de muitos factores, alguns deles não completamente conscientes. Afinal, a política também se faz de 'convicções' ou topoi ideológicos e culturais. E até de manias de dirigentes específicos, o famoso 'elemento pessoal'. Obama é particularmente opaco, uma pessoa que não se sabe muito bem quem é e o que pensa. De qualquer modo, os EUA não 'podiam' abaster-se perante o clamor internacional, e tinham de escolher entre dois males: o Irão e os salafistas. Por razões que só eles conhecem - se é que conhecem - escolheram os salafistas. O ideal para a administração Obama é morder ou debilitar os alauítas sem os liquidar. 'Depois se verá', oiço-os dizer entre si;
7. Israel está entre Sila e Caribdis. As coisas não podem de imediato correr bem para eles. Estão na expectativa. Tudo pode acontecer se a situação na Síria degenerar. E vai degenerar. Quando isso acontecer, Israel vai ter uma posição mais activa no conflito, mas os termos exactos em que isso se passar dependerá de quem estiver na mó de cima;
8. A melhor atitude para o ocidente, tendo em atenção aquele vespeiro, era esperar para ver. Uma intervenção nunca será bem vista pelos muçulmanos, e só aumentará a sua frustração (como aliás, a não intervenção, a qual serve para eles se dizerem uns aos outros que o ocidente não quer saber dos direitos humanos para nada). Nada do que o ocidente faça será bem vindo, por isso porque não fazer simplesmente ... nada? Pelo menos poupavam-se vidas e dinheiro. Mais tarde teremos de intervir, mas enquanto o pau vai e vem folgam as costas.


«Maria Helena Costa Ferreira» no Facebook >> mesmo muito difícil!

«Carlos Miguel Sousa» no Facebook >> David Ribeiro, Parabéns pela excelente análise, que subscrevo na integra.

«David Ribeiro» no Facebook >> Caríssimo Carlos Miguel Sousa... Os parabéns têm que ser dados ao autor do texto que transcrevi, o Professor da UTAD José Costa Pinto.

«Carlos Miguel Sousa» no Facebook >> Nesse caso, obrigado pela partilha. :-)

«Phillipe Phaser» no Facebook >> Um ponto de vista um pouco reducionista que tal como afirma no inicio não contempla a realidade actual da Síria, senão uma visão histórica das raízes daqueles povos. Julgo que esta opinião também é de considerar: Syrian Girl’ reveals truth about Syria   Somos todos Portugueses que estamos a sofrer na pele um processo de escravização financeira e tomada de recursos nacionais por via da banca internacional. Deveria-mos, por isso, ser sensíveis ao argumento de que a Síria ainda é um país livre da especulação financeira internacional, para alem de outros factores. De igual modo chamo também a atenção para o facto histórico nacional, que só após o 25/4/74 nos subjugamos ao FMI. Creio, por tudo isto, que são os bancos os fantasmas por detrás de todas estas guerras e revoluções manipuladas nos quatro cantos do globo. Tudo isto se resume a jogos de poder e o poder da actualidade é a divida, como nós portugueses bem sabemos.

«Carlos Miguel Sousa» no Facebook >> Phillipe Phaser, Uma pequena correcção histórica; Faz hoje 50 anos que Portugal aderiu ao FMI

«Jorge De Freitas Monteiro» no Facebook >> Excelente analise

«Phillipe Phaser» no Facebook >> Obrigado por a correcção, Carlos. De facto aderimos ao FMI em 1960 como refere o texto, mas o meu comentário não será de todo descabido a ver por a seguinte passagem no texto: "...Com a chegada da democracia a polémica manteve-se, desta vez não porque o Portugal entrou no FMI mas porque, em 1977 e 1983, o FMI entrou em Portugal..." Julgo que mesmo assim se compreende a ideia que queria transmitir.

«José Costa Pinto» no Facebook >> Viva, caro David Ribeiro. Só uma pequena correcção à sua epígrafe: eu não andei a ler 'tudo', deus me livre. Limitei-me a consultar a informação mais acessível que existe na net. Por isso não me atrevi a dizer nada que não fosse 'claro e distinto', sob pena de errar. Conheço os meus limites.

«David Ribeiro» no Facebook» no Facebook >> Não terá sido "tudo", certamente, mas foi o suficiente para o José Costa Pinto nos dar uma visão clara e precisa do tema.



Publicado por Tovi às 20:46
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