Venho, junto de V.Exa., apresentar a minha desfiliação do CDS-PP.
Há quarenta anos filiei-me na Juventude Centrista, tendo passado para o CDS em 1992. Recordo com emoção ambos os momentos, a sensação de pertencer a algo maior, um corpo vital capaz de participar na transformação da sociedade sob os valores da Democracia Cristã. Desde a primeira hora, foi o humanismo cristão irrenunciável que me puxou para o CDS, foi a partilha de valores com a Doutrina Social da Igreja que me fez ficar, foi a coerência que consolidou a pertença.
Fiz de tudo no CDS, com espírito de missão e com enorme gosto e entusiasmo. Fui militante de base, fui presidente da Concelhia de Ovar, fui nos três mandatos possíveis presidente da Distrital de Aveiro, fui membro de todas as Comissões Políticas Nacionais do Dr. Paulo Portas e do Dr. Ribeiro e Castro, fui membro das Comissões Directivas ou Executivas do Dr. Paulo Portas e do Dr. Francisco Rodrigues dos Santos, fui Deputado em três diferentes Legislaturas, duas delas em regime de exclusividade, fui representante do Partido em inúmeras circunstâncias e fóruns nacionais e internacionais; tudo isto constituiu para mim uma extraordinária experiência de vida, uma profunda aprendizagem e a possibilidade de, através do Partido, participar na construção de uma sociedade que se queria mais justa, desenvolvida, equitativa e fraterna. Sou grato ao CDS por tudo isto, jamais o esquecerei. Dei tudo o que tinha para dar ao Partido, o meu tempo, disponibilidade sem limites, muito trabalho em diferentes frentes, muito estudo aplicado, sacrifício financeiro e uma forma de acreditar genuína e, espero, mobilizadora. Até ao último dia do último mandato do Dr. Paulo Portas, o Partido não me falhou e eu nunca falhei ao Partido.
Houve o período da divergência política, em particular com a Direcção da Dra. Assunção Cristas. Foi outro tempo, de desencontro sobre o rumo que o Partido deveria tomar, de confronto democrático, aberto e franco, mas sempre de espírito construtivo na crítica e nas alternativas apresentadas. O Partido ainda tinha, por esta altura, dimensão para o debate e confronto de visões alternativas; a diferença, mais ou menos bem-vinda, ainda era sinal de vitalidade partidária.
Houve ainda, o período do Dr. Francisco Rodrigues dos Santos, o tempo do meu regresso à Direcção na tentativa, já então, de salvar um partido depauperado financeiramente e em convulsão interna, num processo autodestrutivo sem precedentes. Por mais sinceros e dedicados os esforços feitos, a luta contra a guerra civil interna, contra a imprensa arregimentada e o oportunismo externo, ditaram o resultado que conhecemos. Foi, para mim, o tempo de regressar à militância de base.
A convite do Dr. Rui Moreira, e com a oposição da Direcção liderada pela Dra. Assunção Cristas, fiz parte das suas listas e fui eleito Deputado Municipal independente nos dois últimos mandatos, sendo actualmente líder da Bancada Municipal do Grupo Rui Moreira, Aqui há Porto.
Longe das estruturas do Partido por clara vontade mútua desde 2022, mantive a minha filiação, mais por motivos emocionais do que racionais, com os olhos postos na história e na Declaração de Princípios fundacional. Sem ligação prática ao Partido, o CDS ainda era o meu único tecto possível, o único sítio onde ainda havia algo de escrito que combinava com as minhas ideias. Decidi ficar, até que esses princípios fossem postos em causa ou violados, até que o CDS fizesse algo que me chocasse profundamente. Deixei para trás a exiguidade crescente do Partido, a sua inexistência na agenda mediática, a sua submissão ao PSD, a falta dos quadros a que estávamos habituados, um ou outro disparate que entreteve a opinião pública. O corpo ideológico dos princípios fundadores era-me suficiente nesta fase da minha vida; só a sua violação grosseira me faria mudar de posição.
Chegados aqui, tem sido muito difícil para mim liderar uma Bancada Municipal em que a maioria dos Deputados do CDS que integram esta bancada votam de forma diversa da Direcção da Bancada e, obviamente, da coordenação de Rui Moreira. O CDS apoiou sem condições a candidatura de Rui Moreira, participou na governação do Porto porque Rui Moreira ganhou por três vezes as eleições, está na vereação e na Assembleia Municipal porque Rui Moreira assim o entendeu. Sou do tempo em que no CDS os compromissos eram para honrar até ao fim e não se traía quem generosamente nos dava a mão em tempos de dificuldade, em troca de conveniências imediatas e alianças futuras.
Por fim, e acima de tudo, a posição do CDS e de alguns dos seus representantes oficiais face ao reconhecimento por Portugal do Estado da Palestina. Sempre fui um defensor da solução dos dois Estados. Sempre fui defensor do Povo Palestino, dos seus direitos e da sua autonomia. Em representação do CDS, fui promotor e coorganizador da primeira Visita Oficial do Parlamento Português à Palestina; sei que mensagem transmiti ao Presidente Mahmoud Abbas, em articulação com o Presidente do CDS. Vejo todos os dias o massacre, a violação flagrante dos Direitos Humanos, a ocupação hegemónica, o atropelo gravíssimo do Direito Internacional, a morte sob as mais variadas formas de violência e desumanidade, no perpetrar dos mais diversos Crimes de Guerra. A absolvição ou branqueamento deste horror, mancha irremediavelmente quem o faz, nega flagrantemente e agride irremediavelmente a Declaração de princípios de 19 de Julho de 1974.
Tentei ficar, em silêncio, na esperança de dias melhores.
Afasto-me, perante a agressão violenta dos princípios que ainda seguravam a minha ideia de CDS.