"Devido à velocidade da luz ser superior à do som, algumas pessoas parecem inteligentes até as ouvirmos."

Sábado, 19 de Fevereiro de 2022
O "Proteger a Ucrânia" e a "Crise dos Mísseis de Cuba"

Captura de ecrã 2022-02-18 160849.jpg

Numa altura em que Putin se irrita por os EUA se preparam para “Proteger a Ucrânia” com o fornecimento de armamento a um país vizinho da Rússia, recordo-me da Crise dos Mísseis de Cuba, um episódio que durou de 16 a 28 outubro de 1962 entre os Estados Unidos e a União Soviética, relacionado com a implantação de mísseis balísticos soviéticos na ilha de Fidel. Foi o mais próximo que se chegou ao início de uma guerra nuclear em grande escala durante a Guerra Fria. Depois de um longo período de tensas negociações, foi alcançado um acordo entre Kennedy e Kruschev. Os soviéticos desmantelaram as suas armas em Cuba e levaram-nas para a União Soviética.

 

  Ponto da situação na Crise da Ucrânia

Putin e Ucrânia.jpeg

Os líderes das regiões separatistas do leste da Ucrânia de Donetsk e Lugansk declararam uma mobilização militar total, medidas que ocorrem numa altura em que se verifica um aumento de violência na região devastada pela guerra e que o Ocidente teme que possa ser usado como pretexto para uma invasão da Rússia.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, irá supervisionar os grandes exercícios militares ao longo das fronteiras da Ucrânia no dia de hoje [sábado, 19fev2022] enquanto o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy, está viajando pela Europa para angariar apoios.
O chanceler alemão Olaf Scholz afirmou na Conferência de Segurança de Munique que um ataque russo à Ucrânia seria um "erro grave" com altos "custos políticos, económicos e geoestratégicos". Na mesma conferência o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, disse que Moscovo estava a apresentar questões de segurança que o Kremlin sabia nunca poderem ser atendidas pela NATO. Também foi afirmado pela chefe do executivo da União Europeia, Ursula von der Leyen, que as ameaças de Moscovo à Ucrânia podem remodelar todo o sistema internacional, alertando Moscovo que o seu pensamento de “um passado sombrio” pode custar à Rússia um futuro próspero.
Rostov, uma região russa na fronteira com a Ucrânia, declarou estado de emergência, citando um número crescente de pessoas que chegam de áreas controladas por separatistas na Ucrânia depois de receberem ordens de evacuação.
O presidente dos EUA, Joe Biden, continua a alertar para o facto de haver indicações que a Rússia está a planejar invadir a Ucrânia, até porque existem sinais de Moscovo estar a realizar uma operação de “bandeira falsa” para justificá-la, depois de forças ucranianas e rebeldes pró-Moscovo trocaram tiros.

 

  Esquema da ofensiva ucraniana, a partir dos dados obtidos pela inteligência da República Popular de Donetsk.
Captura de ecrã 2022-02-19 122658.jpg

 

  O seguro morreu de velho
Além de Portugal (existem 240 portugueses residentes naquele país), outros países pediram aos seus cidadãos na Ucrânia para que deixem o país. A lista inclui Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Noruega, Dinamarca, Bélgica, Países Baixos, Alemanha, Espanha, Israel, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Iraque, Kuwait e Itália.
Captura de ecrã 2022-02-20 100443.jpg

 

  João Cravinho na Conferência de Segurança de Munique 

32528560.jpgNo dia em que as tensões entre a Rússia e a Ucrânia atingiram um ponto máximo, o ministro português da Defesa, João Gomes Cravinho, presente na Conferência de Segurança de Munique (CSM), explicou de que modo Portugal poderá ser chamado a envolver-se nos conflitos: “Portugal faz parte da NATO, portanto a nossa primeira preocupação será a solidariedade em relação aos nossos aliados na NATO. Neste caso, muito em particular aqueles que fazem fronteira com a Ucrânia. .../... Existe uma força chamada VJTF (Very High Joint Readiness Task Force) que é a força de mais elevada prontidão da NATO, em que os países membros da NATO participam de forma rotativa. Portugal neste momento participa na VJTF, em 2022 estamos na VJTF. Se a VJTF for mobilizada para efeitos de defesa da NATO, naturalmente que Portugal participará”. O ministro da Defesa português disse também que a possibilidade de adesão da Ucrânia à NATO não está atualmente em cima da mesa. Gomes Cravinho salientou que “a adesão da Ucrânia à NATO foi discutida em 2008”. “Nessa altura, decidiu-se que não havia condições para a NATO aceitar a Ucrânia e desde então o assunto tem ficado exatamente nesse ponto. .../... É absolutamente falso que esta crise seja sobre a adesão da Ucrânia à NATO. Essa matéria não está em cima da mesa. Nem aqui em Munique, nem ao longo dos últimos 13, 14 anos se discutiu essa possibilidade.”

 

  O gás da Gazprom

I060104.jpg

Um fator importantíssimo a considerar no conflito que se está a viver no Leste da Europa tem a ver com as reservas de gás nas instalações de armazenamento subterrâneo na Ucrânia, que se encontram no mínimo, tendo caído, de acordo com a Gazprom, para 10,6 mil milhões de metros cúbicos, o que é 45% menos que no ano passado. Além disso, no início desta semana, as autoridades da Alemanha, que possui uma das maiores capacidades de armazenamento subterrâneo da Europa, relataram uma queda nos volumes de armazenamento para níveis historicamente baixos em comparação com os anos anteriores.
E se Putin interromper o seu fluxo de gás para a Europa?... Hoje em dia a “guerra” já não se faz só em combates militares.



Publicado por Tovi às 10:57
Link do post | Comentar | Adicionar aos favoritos

Quarta-feira, 14 de Julho de 2021
Cubanos nas ruas a exigir "liberdade!"

Captura de ecrã 2021-07-14 224812.jpg

Nunca fui a Cuba, nem durante nem depois dos Castro, mas quando trabalhei em Luanda para o Ministério dos Petróleos nos anos 1985 e 86, criei uma “alergia” a todos os cubanos que por lá conheci, fossem eles civis ao serviço do Governo de José Eduardo dos Santos, quer militares a defenderam os costados dos soldados do MPLA. A arrogância com que tratavam os portugueses que por lá comiam o pão que o diabo amassou – És português?... Ainda estás por cá?... – e mesmo admitindo que uma meia dúzia de árvores não faz a floresta, a verdade é que não fiquei a gostar daquela gente.


Tags: ,

Publicado por Tovi às 07:51
Link do post | Comentar | Adicionar aos favoritos

Sábado, 26 de Novembro de 2016
Morreu Fidel Castro

Fidel de Castro aa.jpg

Morreu Fidel Castro, líder incontestado de Cuba, uma das figuras que marcaram o Século XX.

Requiescat In Pace

 

   Relato de uma vida histórica (in Expresso)

Fidel Castro 1926-2016

Era Fidel Castro uma criança e desconhecia por que razão, no recreio do Colégio de La Salle, em Santiago de Cuba, lhe chamavam "porco judeu". Na católica Cuba dos anos 1930, era assim que era denunciado quem não fosse batizado. Era o caso de Fidel, filho do galego Ángel Castro, um latifundiário próximo da United Fruit Company - a açucareira norte-americana que empregava meia Cuba -, e de Lina, criada de Ángel na sua quinta de Manacas.
Fidel nascera a 13 de agosto de 1926, em Biran, e era o terceiro filho dessa relação proibida. As duas famílias de Ángel Castro - casado perante Deus e a lei com a professora primária Maria Luisa Argota - causavam falatório nas redondezas. Para se defender no processo de divórcio interposto pela mulher, D. Ángel envia os filhos bastardos para Santiago de Cuba, onde nunca ninguém ouvira falar dos Castro. Nessa semi-clandestinidade, o pequeno Fidel cede à sensação de abandono. Na escola, as notas são uma catástrofe e o comportamento uma calamidade. Torna-se insolente, recusa a autoridade e é açoitado amiúde.
A 19 de janeiro de 1935, é finalmente batizado na Catedral de Santiago. O pai não está presente e o registo de batismo não o refere. No papel, Fidel já não era um pária, mas o reconhecimento paterno apenas surgiria aos 17 anos de idade, já D. Ángel se tinha casado com Lina. Só então, Fidel passa a usar o apelido do pai.
No ambiente de estudo e recolhimento proporcionado pelos colégios jesuítas, Fidel parece desabrochar. Torna-se um aluno exemplar e o primeiro em todos os desportos. Aos 14 anos, num inglês básico, escreve uma carta ao "amigo" Franklin Roosevelt, pedindo-lhe uma nota de 10 dólares, porque "gostaria de ter uma". Propõe-lhe, também, uma visita guiada às minas de ferro de Mayari. O Presidente dos Estados Unidos nunca respondeu.
Em 1945, após assistir ao fim da II Guerra Mundial, Fidel inscreve-se em Direito na Universidade de Havana, que se distinguia pela politização dos seus alunos. Após a disciplina jesuíta, ele mergulha na desordem. Tomada por estudantes nacionalistas e revolucionários, que idolatram José Martí, o herói da independência cubana, a universidade está em brasa. Fidel percebe que o mundo dos discursos, dos murros e das armas à cintura está talhado para si.

A "ovelha negra" da família
Cinquenta anos após a independência formal (1902), Cuba continua sob tutela dos Estados Unidos. Para Fidel, que chefia as Juventudes Ortodoxas, uma formação social-democrata, só uma "revolução profunda" libertaria o povo das frustrações provocadas pelas injustiças sociais. Depois de viajar pela Venezuela, Panamá e Colômbia, apercebe-se que o ódio ao domínio neocolonial norte-americano não é exclusivo dos cubanos. À luz desse antiamericanismo, os comunistas já não lhe parecem os monstros sedentos de sangue que os padres jesuítas e o pai lhe tinham descrito.

Antes, pareciam ser os únicos com sentido de disciplina e capacidade para organizar um exército capaz de enfrentar ditadores. Mas em Cuba, o Partido Comunista era ultraminoritário, sem representatividade nas universidades nem influência no sindicato operário. E os cubanos nem sequer simpatizavam com a União Soviética.
Fidel vive com o dinheiro que o pai lhe manda. As raparigas amedrontam-no e fazem-no corar, mas, a 12 de outubro de 1948, casa com Mirta Díaz Balart, uma estudante de Filosofia oriunda de uma família influente. D. Ángel não comparece à cerimónia nem à festa no American Club, sentido com a rebeldia do filho. Fidel não se empenha nos estudos, é a vergonha da família. Ainda assim, o patriarca aceita financiar a lua-de-mel... nos Estados Unidos.
Em Miami e Nova Iorque, Fidel deslumbra-se com o urbanismo galopante e a densidade do tráfego automóvel, choca-se com a falta de pudor dos jovens casais que se beijam em público e perde-se nas livrarias. Compra "O Capital" de Karl Marx e interroga-se como um país tão profundamente anticomunista permite a venda de obras que apelam à destruição do sistema capitalista. Fica com a sensação que o "american way of life" resulta da pilhagem dos pobres pelos ricos: se os americanos têm frigoríficos, arranha-céus, Cadilacs e devoram "corn flakes", devem-no à espoliação dos povos da América do Sul pelas suas multinacionais. O anti-imperialismo é o motor que faz Fidel mover.
De regresso a Havana, o casal instala-se num hotel. Mirta retoma os estudos e Fidel as atividades no Partido Ortodoxo. A política causa-lhe dependência e, em poucos meses, a mulher está só. Fidel intima-a a recusar tudo o que é oferecido pelos Dias Balart. Não quer sentir-se "comprado". Para alimentar o filho - Fidelito, nascido a 1 de setembro de 1949 -, Mirta pede dinheiro aos amigos. Aos poucos, Fidel torna-se agressivo, mesquinho e quase tirânico. O seu espírito de missão tudo transcende. Vive unicamente para o povo cubano. Foi alvo de um chamamento.
Em setembro de 1950, ele conclui o curso, mas não consegue uma bolsa de estudo para ir para os Estados Unidos e preparar a revolução "nas entranhas do monstro". Abre um escritório na capital, no n.º 57 da Rua Tejadillo, e põe-se à prova. Após ser preso durante uma manifestação estudantil, assume a sua defesa. Pede uma toga emprestada e, na sala de audiências, organiza uma coleta para pagar a caução. É absolvido.

Do "Granma" à "sierra"
A 11 de março de 1952, após liderar o assalto ao campo militar de Columbia, centro de operações do exército, o general Fulgencio Batista autoproclama-se Presidente de Cuba. Conhecidas as suas inclinações pró-americanas, chamam-lhe "Mister Yes". Este "status quo" fortalece o projeto de luta armada de Fidel, que cria uma organização militar - "Movimento" - que visa a ação direta, "la guerrilla". Rigoroso na seleção dos seus seguidores, apenas aceita quem esteja disposto a morrer pela revolução e aceite uma vida de austeridade. Fidel é o chefe incontestado deste exército secreto, instruído no manejamento das armas nas caves da Universidade de Havana.

O "Movimento" sai da clandestinidade a 27 de janeiro de 1953. Por ocasião do centenário de José Marti, 500 homens munidos de tochas integram-se no cortejo oficial. Faltava passar à ação. Fidel concebe então a captura de um centro nevrálgico para iniciar a libertação do país. A 26 de julho, lidera o desastroso assalto ao quartel de Moncada, em Santiago, que se salda na morte de 64 dos 123 membros do comando. Fidel escapa para a "sierra", mas acaba por ser preso. Na prisão de Boniato, recompõe-se das emoções. Divorcia-se de Mirta, dedica-se à leitura e prepara a defesa. "A história absolver-me-á" é o título da sua alegação.
Condenado a quinze anos de prisão, beneficia de uma amnistia presidencial. Refugia-se no México, onde reagrupa os efetivos, junta fundos recolhidos nas comunidades cubanas exiladas nos Estados Unidos e contacta com o revolucionário argentino Ernesto Che Guevara. É informado da morte do pai, que não via há anos, e fica a saber que Naty Revuelta, uma ex-amante oriunda da burguesia cubana, dera à luz uma menina, Alina. Fidel encarrega a mãe de verificar se a bebé tem traços dos Castro.
A 25 de novembro de 1956, Fidel, o irmão Raúl, Che e 79 seguidores partem de Tuxpan a bordo do "Granam", um barco de recreio de 14 metros e dois motores a diesel, para iniciarem a revolução. Na véspera, Fidel redige o testamento. A 2 de dezembro, às 4.20h da madrugada, 82 homens extenuados e angustiados, devido às violentas tempestades e à perseguição das tropas governamentais, desembarcam na Playa Colorada.
"Ganhámos! Como José Martí recuperámos a nossa terra! O tirano Batista tem os dias contados!", declara Fidel. Os seus seguidores olham-no como a um profeta. No refúgio escarpado da "sierra" Maestra, ele organiza o que resta da sua força: 16 rebeldes sobrevivem à perseguição do exército e aos raides aéreos ordenados por Fulgencio Batista. Mas em Havana, o Presidente comete um erro: anuncia a morte de Fidel. A United Press difunde a notícia pelo mundo inteiro e Fidel sente que estão criadas as condições para, um dia, tal qual uma lenda, ele ressuscitar.

Um barbudo na América
A causa de Castro desperta atenções nos Estados Unidos após Herbert Matthews, um famoso articulista do "The New York Times", subir à "sierra" para entrevistar Fidel. No acampamento, a conversa é constantemente interrompida pelos rebeldes que comunicam as últimas a Fidel. Tudo não passa de uma encenação para convencer o jornalista que o exército é numeroso e está bem organizado. Na primeira página do maior jornal norte-americano, Fidel surge como um revolucionário romântico e encantador que personifica as maiores esperanças do povo cubano. Cai nas graças dos norte-americanos e, contrariamente ao que Batista quer fazer constar, a CIA não o considera comunista, antes vê nele um potencial parceiro na luta contra o perigo vermelho.

Em maio de 1958, o Presidente cubano lança uma ofensiva para acabar com os grupos antigovernamentais. Colocado entre a espada e a parede, Fidel transcende-se. Beneficiando de deserções em massa nas forças de Batista, o exército de Fidel vai acumulando vitórias e conquistando cidade após cidade. A 31 de dezembro, o chefe de Estado foge para a República Dominicana. A 8 de janeiro de 1959, Fidel entra vitorioso em Havana e assume o posto de Supremo Comandante das Forças Armadas. A 13 de fevereiro, toma as rédeas do governo revolucionário.
A convite do Press Club, Fidel faz uma visita de charme aos Estados Unidos. À frente de uma "comitiva de barbudos", responde com humor às perguntas incómodas, come hamburgueres e cachorros quentes e repete que não é comunista. Para atrair a atenção dos media, hospeda-se num hotel de baixa categoria, no bairro novaiorquino de Harlem. Por lá passam o Presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, o primeiro-ministro indiano Jawaharial Nehru e o activista negro Malcom X. O vice-Presidente Richard Nixon recebe-o, mas não o Presidente Dwight Eisenhower, que se desculpa com uma partida de golfe.
Regressado a Cuba, instala-se numa suíte no 23º andar do Hotel Hilton, o ponto mais alto da capital. Institui um "governo de veludo" para acalmar o povo, profundamente anticomunista, e adormecer o vizinho americano, que de pronto reconhece as novas autoridades. A nova Constituição estabelece a pena de morte e o confisco dos bens de quem serviu o regime de Batista. Cuba está transformada num tribunal popular e Fidel num carrasco. Ele é o mentor deste simulacro de justiça que visa salvar a alma dos concidadãos pela "purificação", pelo pelotão de fuzilamento, "el paredón". Com base na "convicção moral" dos vencedores, centenas de cubanos são executados, a maioria sem julgamento.

Um pivô da Guerra Fria
A 8 de maio de 1960, Cuba e a União Soviética reatam as relações diplomáticas e Fidel e Nikita Krutchev assinam pactos militares e económicos bilaterais. Os Estados Unidos não ficam indiferentes e suspendem a ajuda financeira; Cuba confisca as refinarias americanas que se recusam a refinar petróleo soviético; Washington reduz a quota de importação açucareira; Havana responde com nacionalizações. De permeio, Fidel abole a figura do Pai Natal, substituindo-o por um personagem barbudo, de uniforme verde-azeitona, chamado "D. Feliciano".

A animosidade entre Estados Unidos e Cuba atinge o pico a 3 de Janeiro de 1961 com o corte de relações diplomáticas. Na lógica da Guerra Fria, Cuba figura na área de influência da URSS. Começa então a era das conspirações e das tentativas de assassinato a Fidel Castro. Só à CIA, atribui-se 634 operações para liquidá-lo. "Se sobreviver a tentativas de assassinato fosse uma modalidade olímpica, eu teria ganho a medalha de ouro", disse ele.
A 17 de abril de 1961, cerca de 1400 exilados cubanos treinados pela CIA desembarcam na Baía dos Porcos. Há três meses na Casa Branca, John Fitzgerald Kennedy recua no prometido apoio aéreo à invasão, que resulta num rotundo fracasso. Num discurso a 2 de dezembro, Fidel Castro afirma-se marxista-leninista e anuncia que Cuba adotou o comunismo. A natureza marxista da revolução leva à rutura entre Fidel e Che Guevara, partidário das conceções maoistas. Paralelamente, dececiona muitos "comandantes barbudos" que denunciam o que consideram ser o embrião de um regime ditatorial, desviado dos propósitos nacionalistas e democráticos dos tempos da "sierra" Maestra.
Milhares de pessoas são acusadas de delitos contrarrevolucionários e executadas. Os prisioneiros políticos, as vagas de refugiados e as expulsões forçadas aumentam vertiginosamente. A economia cubana está na penúria. Antes da revolução, 80% das importações vinham dos Estados Unidos. Ao cortar esse "cordão umbilical", Fidel vira-se para os soviéticos e fica chocado com o atraso das técnicas dos novos aliados em relação às americanas, em pelo menos 20 anos. A 12 de março de 1962, Fidel institui uma caderneta de racionamento para cada cubano, que chega a prever rações na ordem dos cinco ovos e um oitavo de libra de manteiga ao mês. O mercado negro salva o povo da fome.
Em outubro de 1962, fotografias tiradas por um avião de reconhecimento U2 confirmam a existência de mísseis nucleares soviéticos na ilha, ameaçando 80% do território norte-americano. JFK decreta um bloqueio naval a Cuba. Na mira da marinha dos EUA, a frota da URSS inverte a marcha e Krutchev retira os mísseis. Durante 13 dias, a "crise dos mísseis" coloca o mundo à beira de uma guerra atómica. Nas ruas de Havana, milhares de cubanos gritam: "Nikita mariquita, lo que se da no se quita".

Fé cega no socialismo
Para Fidel, a rutura com o Kremlin não se coloca. "Não cometeremos duas vezes o mesmo erro e não romperemos com os soviéticos depois de termos rompido com os EUA", diz. Pelo contrário, "El Comandante" converte-se no mais eloquente advogado da URSS no Terceiro Mundo. África torna-se a nova "sierra" Maestra e só Angola, ao longo de anos, recebe milhares de civis e técnicos cubanos.

Mas eis que no Kremlin instala-se Mikhail Gorbatchov, o "coveiro do comunismo". Num discurso proferido a 26 de julho de 1988, Fidel refuta a "Perestroika", qualificando-a de "perigosa" e "oposta aos princípios do socialismo". Após a retirada militar soviética e a queda do Muro de Berlim, a crise instala-se na ilha: 85% dos seus mercados tinham desaparecido assim como subsídios e benesses comerciais; os sistemas educativos e sanitários, quase universais, gratuitos e de alto nível técnico, e toda uma série de indicadores sociais foram seriamente afetados. Em janeiro de 1989, ao assinalar o 30º aniversário da revolução, Fidel Castro reafirmaria a sua rigidez doutrinal: "Socialismo ou morte!"
Os apertos económicos obrigam-no, porém, a cedências: a formação de "joint ventures", a privatização de empresas e bancos e a despenalização da compra de dólares. Para Fidel, para quem qualquer reforma de mercado é uma espécie de rendição, tratava-se de "medidas dolorosas para aperfeiçoar o regime". Nas cimeiras internacionais, ele troca o uniforme militar verde-azeitona pelo fato e gravata e concentra ainda mais as atenções. Mas em Cuba, os seus longos discursos - chegou a figurar no Livro Guiness dos Recordes com uma alocução de 4.29 horas, a 26 de setembro de 1960, na Assembleia Geral da ONU - soam cada vez mais anacrónicos. Os cubanos já não o ouvem, apenas lhe obedecem.
Ainda que pouco frequentadas, as igrejas são colocadas sob vigilância. Fidel teme que os cubanos se inspirem no movimento Solidariedade que agita a Polónia para o desafiar. Persegue os homossexuais, abre "sidatórios" para doentes com sida, um vírus vindo do estrangeiro, diz-se, e investe sobre o mercado negro. À repressão sobre as "porcarias" da abordagem capitalista chama "Retificação dos Erros", uma política que remete Cuba para a idade das cavernas. Neutraliza os dissidentes políticos e queixa-se das organizações dos Direitos Humanos que consideram os cubanos escravos. "O escravo sou eu!", diz Fidel. "Sou o escravo do meu povo. Dedico-lhes dias e noites há já quase cinquenta anos."

A queda final
Em finais de 1989, Fidel Castro toma consciência de que não é eterno. O stresse provoca-lhe hipertensão, que conduz a crises frequentes. É obrigado a deixar de fumar o famoso charuto Cohiba, o "Lanzero", e a seguir um rigoroso regime alimentar. Transgride-o pontualmente para degustar um pouco de queijo "roquefort", que adora. No maior dos segredos, é operado a um tumor no cólon, no hospital da Universidade do Cairo.

Cansados dos delírios de Fidel, cada vez mais cubanos praticam atos de rebeldia. Jovens inoculam o vírus da sida para se tornarem indesejados e serem expulsos do país; outros tentam atingir a costa da Florida agarrados a câmaras-de-ar roubadas a camiões e entregues às incertezas do mar das Caraíbas, infestado de tubarões. A polícia cubana fecha os olhos aos "balseros". São menos bocas que o Estado terá de alimentar.
Fidel reconhece que Cuba está diferente e dá mostras de realismo em relação ao que se passa no mundo. Excomungado pelo Vaticano desde 1962, ele abre as portas de Cuba a um dos responsáveis pela desagregação do bloco socialista, na Europa de Leste, o Papa João Paulo II, em janeiro de 1998. Durante os cinco dias da visita, Fidel acompanha-o em várias aparições públicas, designadamente durante a missa na Praça da Revolução, em Havana.
"Fidel foi o Presidente que mais atenção deu ao Papa João Paulo II", escreveria o cardeal Tarcisio Bertone, no seu livro "Un cuore grande, Omaggio a Giovanni Paolo II". "Fidel mostrou afeto pelo Papa, que já estava doente, e João Paulo II confidenciou-me que, possivelmente, nenhum chefe de Estado tinha preparado tão profundamente a visita de um Pontífice." Fidel tinha lido as encíclicas, os principais discursos de João Paulo II e até alguns de seus poemas. Em dezembro desse ano, Fidel aboliu a proibição da celebração do Natal, que durava há quase 30 anos.
A 20 de outubro de 2004, a aparatosa queda desamparada de Fidel Castro, após uma cerimónia de formatura estudantil, em Santa Clara, parece ser o início do capítulo final de 'El Comandante'. Fidel recupera das fraturas no braço e no joelho, mas não mais a doença deixa de o importunar. A 31 de julho de 2006, na sequência de uma intervenção cirúrgica ao intestino, Fidel Castro transfere os seus poderes para o seu irmão mais novo, Raúl, seu Vice-Presidente. Fidel conserva o título de Presidente de Cuba até 24 de fevereiro de 2008, quando a Assembleia Nacional elege Raúl Castro para a presidência do país. "Trairia a minha consciência assumir uma responsabilidade que requer mobilidade e entrega total, que eu não estou em condições físicas de oferecer", escreveu Fidel numa carta aos cubanos.
Fidel resguarda-se em casa, sendo, a espaços, fotografado em fato de treino na companhia de governantes e personalidades estrangeiras, dos quais o Presidente da Venezuela Hugo Chávez foi a visita mais frequente. Fidel escreve uma coluna no Granma ("Reflexões") e dá entrevistas ocasionais, onde aproveita para fazer "meã culpa". Em setembro de 2010, afirmou: "O modelo cubano já não funciona nem para nós." "Sou o responsável pela perseguição aos homossexuais que houve em Cuba".
O sigilo à volta da sua doença - diverticulite (provocada pela falta de fibras na dieta alimentar) - dispara a especulação à volta do seu estado de saúde. A morte de Fidel é antecipada várias vezes. Hoje, confirmou-se. "O tempo passa e os homens da maratona cansam-se", disse um dia "El Comandante". "A corrida foi longa, muito longa!"

 

  Comentários no Facebook

«David Ribeiro» >> Nunca fui a Cuba, nem antes nem depois de Fidel, mas por inerência das funções que desempenhei em Luanda no Ministério dos Petróleos nos anos 1985 e 86, criei uma “alergia” a todos os cubanos que por lá conheci, fossem eles civis ao serviço do Governo de José Eduardo dos Santos, quer militares a defenderam os costados dos soldados do MPLA. A arrogância com que tratavam os portugueses que por lá comiam o pão que o diabo amassou – És português?... Ainda estás por cá?... – e mesmo admitindo que uma meia dúzia de árvores não faz a floresta, a verdade é que não fiquei a gostar daquela gente.

«Rui Moreira» >> Fidel Castro: Sim, libertou Cuba de uma ditadura. Depois, apressou-se a construir outra. Sim, Com ele havia mais saúde e educação que em todo o Caribe, mas não havia liberdade. Sim, com ele acabou muita da corrupção, mas ficou a prostituição que o seu regime sempre protegeu até chegar Raul Castro. Sim, o embargo causou muitos danos à sua economia, mas foi ele quem nunca permitiu que o mercado funcionasse. Sim, os Estados Unidos tentaram matá-lo, invadiram a ilha, fizeram muita maldade. Isso não explica que tenha eliminado milhares de oponentes políticos. Fidel Castro é um herói e um monstro. Tudo isso pela utopia que cedo o subjugou. A utopia é a mais perigosa das ameaças.



Publicado por Tovi às 11:20
Link do post | Comentar | Adicionar aos favoritos

Quarta-feira, 21 de Novembro de 2007
As Invasões Francesas (II)
No “ViriatoWeb” todos os assuntos são discutidos até ao mais ínfimo pormenor… Imaginem que comecei a falar das Invasões Francesas e da fuga da Casa Real para o Brasil, e já se escreve sobre o domínio colonial espanhol sobre Cuba, a ocupação americana da ilha e a revolução de Fidel.
«XôZé» ⇒ ...estão a esquecer que "anda meio mundo a gamar outro meio". E o que foi para o Brasil tinha sido gamado lá; na India e em África. Foi feito um pouco de Justiça!... - Lá está o amigo a puxar para o sentimentalismo...   Se continuas a prosa, garanto que choro.  
«Reboredo» ⇒ Então meus caros. A verdade histórica deixa os meus amigos  :oops: :oops: :oops: :oops: :oops: :oops: :oops:  Quanto a chegarem atrasados meu caro Viriato! Chegaram ao mesmo tempo que os amerloques. Uns apoiaram uns para roubarem depois e os outros apoiaram outros com o mesmo objectivo. Os cubanos tiveram direito aos restos.
Quanto a Cuba: O domínio espanhol sobre Cuba durou quatro séculos. No dia 10 de dezembro de 1898 a Espanha, após ter sido derrotada pela invasão americana a Cuba, assinou com os Estados Unidos o Tratado de Paris que põe fim à dominação espanhola na ilha. No dia 1º de janeiro do ano seguinte, os Estados Unidos estabeleceram um governo militar na ilha. Durante quase quatro anos os Estados Unidos mantiveram a ocupação da ilha através de um governo militar. No dia 20 de maio de 1902 foi proclamada a República em Cuba, mas o governo norte-americano, em 1901, tinha convencido a Assembléia Constituinte cubana a incorporar um apêndice à Constituição da República, a Emenda Platt, pela qual se concedia aos Estados Unidos o direito de intervir nos assuntos internos da nova república, negando à ilha, bem como à vizinha ilha de Porto Rico, a condição jurídica de nação soberana, o que limitaria sua soberania e independência por 58 anos. No dia 1° de janeiro de 1959 o Exército Rebelde dirigido pelo seu Comandante e chefe, Fidel Castro, derrota o governo que governava o país. É a partir desse momento que Cuba obtêm sua total e definitiva independência em relação aos EUA.
«XôZé» ⇒ Não precisavas de berrar, poix não?... :cry: :cry: :cry:   Já agora explica-me lá essa soberania quando os amerlicanos continuam a ter em território cubano a base de Guantanamo, onde alojam em regime de APA, os gangsters das arábias. :mrgreen:
«Reboredo» ⇒ Meu caro XôZé, Guantanamo para os amerloques é assim como uma espécie de Olivensa, Saara Ocidental, Chechénia, Enclave de Cabinda e outros enclaves que o mundo conhece e que as resoluções da ONU e as armas não conseguem resolver. A Baia de Guantánamo fica localizada no sul da ilha de Cuba e tem cerca de 111,9 km² de área. A baía foi concedida aos Estados Unidos como estação naval em 1903, em troca do pagamento de 2000 dólares por ano. Da base de Guantánamo, existe uma dependência chamada Navassa, ilha desabitada com 5 km², situada entre a Jamaica e o Haiti. É na base naval americana da baía que se encontram os prisioneiros das guerras do Afeganistão e Iraque. Fidel Castro tentou em vão desfazer a concessão, e desde então, em sinal de protesto, nunca utilizou o pagamento do aluguel pago pelos EUA, que se mantém no mesmo valor até hoje. Ao redor da base encontra-se ainda o único campo minado do ocidente. A manutenção da base de Guantánamo não encontra amparo em nenhuma convenção internacional e, por isto, não há como fiscalizar o que acontece em seu interior. Os presos muitas vezes não possuem direito a advogados, visitas ou sequer a um julgamento. Existem denúncias de tortura. Os Estados Unidos não permitem que a ONU inspecione as condições da base e do tratamento recebido pelos prisioneiros. Tal situação tem requerido alguma atenção por parte dos mídia internacionais, uma vez que supostamente viola a convenção de Genebra e os direitos humanos.
«Viriato» ⇒ o que será um " mídia " ???  :roll: :roll: :roll: 
«zézen» ⇒ Faz como eu, diz que sabes. :P
«novato» ⇒ A aritmética, a geométrica ou a ponderada? ;fcp:
Dêem-me mais uns diazitos e também vou mandar os meus “bitaites”… É que não podemos esquecer que foi a Revolução Francesa que provocou o início do fim das monarquias absolutistas na Europa e a consequente alteração das políticas coloniais nas Américas.
«Viriato» ⇒ a troca de ideias é o principio de base de um fórum, isso e não a troca de insultos !   quanto à França foi pioneira em muita coisa, como por exemplo : as greves , as férias pagas, rádios livres na banda FM na Europa, etc. etc ....
«zézen»Salvo no "caixote do lixo" :roll: 



Mais sobre mim
Descrição
Neste meu blog fica registado “para memória futura” tudo aquilo que escrevo por essa WEB fora.
Links
Pesquisar neste blog
 
Dezembro 2024
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5
6
7

8
9
10
11
12
13
14

15
16
17
18
19
20
21

22
23
24
25
26
27
28

29
30
31


Posts recentes

O "Proteger a Ucrânia" e ...

Cubanos nas ruas a exigir...

Morreu Fidel Castro

As Invasões Francesas (II...

Arquivos
Tags

todas as tags

Os meus troféus