Incongruência ou rebeldia juvenil?... Não sei, mas foi isto que aconteceu na festa de aniversário do filho do meu diretor quando eu trabalhava na capital de Angola nos anos 1985 e 86. Fui convidado para a festa e quando me aproximei da vivenda do meu chefe notei vários soldados armados do corpo privado de segurança da Presidência da República e apercebi-me logo que a Isabelinha, filha de José Eduardo dos Santos e colega de turma do aniversariante, estaria entre os convidados. Com efeito lá estava ela no terraço da vivenda dançando freneticamente com todas as outras meninas e meninos. Só que... para espanto meu a Isabelinha, filha de um presidente de um país marxista, envergava uma t-shirt igual à da foto.
Todos se recordarão de num passado recente a empresária Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente de Angola, ter dito que tinha um sentido muito especial para os negócios desde muito nova e que até vendia ovos quando tinha seis anos. Pois não sei se foi desde tão tenra idade, mas no início de 1986, estava eu a trabalhar em Luanda como responsável pela logística de importação de produtos alimentares para um supermercado privativo de funcionários estrangeiros da Fina Petróleos, quando uma arreliadora avaria inutilizou todos os artigos que se encontravam num contentor frigorífico, incluindo umas centenas largas de dúzias de ovos. Como o próximo contentor de produtos lácteos e ovos só chegaria a Luanda dentro de três meses havia que resolver o problema recorrendo à importação por avião (usando o voo semanal de carga da TAAG que fazia Ostende - Luanda) mas os custos eram elevadíssimos e o espaço de que dispúnhamos neste avião era limitado. Foi então que uma das frequentadoras da Loja Fina, Tatiana Kukanova, mãe de Isabel dos Santos na altura uma adolescente de 12 anos, me disse que sua filha criava galinhas poedeiras e que me poderia vender ovos. Educadamente disse-lhe que as minhas necessidades de ovos eram no mínimo de 100 dúzias/semana e que dificilmente a Isabelinha teria capacidade para tal. Que não, que sua filha tinha uma enorme produção e que estavam à vontade para as quantidades que eu desejava, disse a Tatiana. E assim ficou combinado: Uma sua empregada viria semanalmente entregar-me 100 dúzias de ovos (quantidade que poderia ser alterada em qualquer altura) e o pagamento far-se-ia por créditos em compras. E assim funcionou até ao meu último dia de trabalho em Luanda, finais de outubro de 1986.
Como durante a minha estadia em Luanda [anos de 1985 e 86] sobrava-me algum tempo para o lazer e porque as ofertas não eram muitas, resolvi inscrever-me no Clube de Ténis dos Coqueiros, onde se podia bater umas bolas nos vários "courts”, ainda em razoável estado de conservação. Eu não era nem de longe nem de perto um grande jogador e nos primeiros dias ficava-me por bater bolas contra a parede, mas um belo dia o recepcionista do clube veio ter comigo e perguntou-me se eu não me importava de jogar com o Embaixador da Zâmbia, dizia o rapaz que ele estava mais ao menos ao meu nível de jogador. Dito assim, concordei... e lá fui conhecer o tal senhor. Acabamos por ficar amigos e praticamente todos os fins de tarde batíamos umas bolas. Ao sábado de manhã é que a coisa era interessante... depois do jogo e de um banho retemperador, íamos para a sumptuosa vivenda do embaixador, onde se comia e bebia excecionalmente bem, e onde ficavamos a “preguiçar” toda a tarde.
Joaquim Diniz - Bons tempos Amigo
Castro Ferreira Padrão - Saudades, não é?
Isabel Pires - Boa vida!
David Ribeiro - Tinha dias Isabel Pires. Quando era preciso desalfandegar contentores no porto de Luanda a coisa era complicada. Se tínhamos cais para acostar o "supply boat", não tínhamos guindaste... se tínhamos cais e guindaste não tínhamos camiões. Juntar tudo no mesmo local e à mesma hora era coisa complicada e nem sempre uns "cadeaux" resolviam a situação.
Mário Santos - O célebre inferno de Mário Soares...
Altino Duarte - Também passei alguns dias em Luanda mas não posso dizer o mesmo. Outros tempos,talvez...
Rafael Maciel Oliveira - E o candeeiro de caçador que te ofereci quando foste fez-te jeito?, bons tempos!!
David Ribeiro - Lembro-me bem, Rafael Maciel Oliveira... mas nunca fui à caça, que era coisa que só lá para os lados do Parque Nacional de Quiçama é que havia e já era zona de guerra.
Joaquim Figueiredo - A parte melhor... o após. Abraço
No início de outubro de 1985 aterrei pela primeira vez na minha vida em Luanda para cumprir um contrato de trabalho de dois anos da Eurest com a empresa belga Fina Petróleos de Angola, uma das várias empresas petrolíferas ao serviço do Ministério dos Petróleos angolano. O meu trabalho consistia essencialmente na gestão e supervisão de toda a logística dos abastecimentos de um pequeno supermercado que a Fina tinha na capital de Angola e de uso exclusivo de todos os funcionários expatriados ao serviço desta empresa belga. A adaptação foi rápida e muito facilitada por todo o apoio recebido, quer da Direção da Eurest Angola quer dos quadros superiores da Fina. Passei a viver num simpático apartamento no décimo andar de um edifício conhecido por “Mini Pet” (abreviatura de Ministério dos Petróleos) na praça onde está localizada a Igreja de Nossa Senhora da Nazaré (*), muito perto da Marginal de Luanda.
(*) A pequena igreja da Nossa Senhora da Nazaré foi construída em 1664, quase sobre a água. A fachada ficava em frente à baía. O Governador André Vidal de Negreiros, um dos heróis da libertação do Brasil do jugo holandês, construiu a capela para agradecer a Deus ter sido salvo de um naufrágio, numa viagem do Brasil para Angola. Em 1922 a Igreja foi considerada como monumento nacional.
Mário Paiva - ...e esta foto é do tempo do Kaparandando...
David Ribeiro - Sim, Mário Paiva... mas o prédio onde vivi já lá estava.
Mário Paiva - ...já sim... foi cedido à ImporAfrica - representante da KIA - penso que por 20 anos, e foi completamente remodelado/alterado... o acesso aos apartamentos deixou de se fazer pela varanda trazeira - que desapareceu - e é feito por corredor central com apartamentos à esquerda e à direita... também do "teu" décimo andar já só se vêem nêsgas da Baía, que os vizinhos cresceram bwé...
José Eduardo dos Santos foi presidente de Angola de 1979 a 2017. O seu “reinado” foi frequentemente associado à grande corrupção e ao desvio de recursos do petróleo para proveito próprio e da sua família, esquecendo-se de grande parte da população, que vive em condições de pobreza e com grandes diferenças entre as cidades e o campo. A História recorda sempre mais facilmente o “mal feito” do que algo “de bem” que se fez, e eu, que vivi em Luanda a trabalhar para o Ministério dos Petróleos em 1985-86, recordo o digno papel de ZéDu na crise transfronteiriça entre Angola e a África do Sul, que culminou no repatriamento do contingente militar cubano, na independência da Namíbia, e na retirada das tropas sul-africanas de Angola.
Luis Barata - Sei quem é e quem foi. Qual o seu comentário pessoal ao personagem?
David Ribeiro - A única coisa "de bem" que reconheço no longo reinado de ZéDu é aquilo que acima referi, a resolução da crise transfronteiriça entre Angola e a África do Sul, que culminou no repatriamento do contingente militar cubano, na independência da Namíbia, e na retirada das tropas sul-africanas de Angola. E já agora: Não o conheci pessoalmente, mas convivi vários anos com a sua primeira mulher, Tatiana Kukanova, mãe da Isabel dos Santos, que na altura era uma menininha com pouca mais de 12 anos.
Luis Barata - David Ribeiro uma pena realmente a entrega a estrangeiros comunistas e o presidencialismo totalitário-familiaris... E as infraestruturas e estruturas sociais desfeitas, e a criminalidade, e tudo e tudo e tudo... De bom o quê?!
David Ribeiro - Realmente ZéDu exerceu um presidencialismo só comparável às maiores ditaduras africanas. E o "desenvolvimento" que fez após o grande investimento na exploração petrolífera serviu essencialmente para o seu enriquecimento pessoal, o da sua família e de mais alguns indefetíveis apoiantes, alguns dos quais ainda se pavoneiam por este mundo fora.
Mensagem da Presidência da República de Angola
O Executivo da República de Angola leva ao conhecimento da opinião pública nacional e internacional, com um sentimento de grande dor e consternação, o falecimento de Sua Excelência o ex-Presidente da República Engenheiro José Eduardo dos Santos, ocorrido hoje às 11h10, hora de Espanha certificada pelo boletim médico da clínica, em Barcelona, após prolongada doença.
O Executivo da República de Angola inclina-se, com o maior respeito e consideração, perante a figura de um Estadista de grande dimensão histórica, que regeu durante muitos anos com clarividência e humanismo os destinos da Nação Angolana, em momentos muito difíceis.
O Executivo da República de Angola apresenta à família enlutada os seus mais profundos sentimentos de pesar e apela à serenidade de todos neste momento de dor e consternação.
Luanda, 8 de Julho de 2022"
Organismo integra 11 ministros e a governadora de Luanda
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, acaba de enviar as condolências ao Presidente João Lourenço e à Família do Presidente José Eduardo dos Santos. O Presidente José Eduardo dos Santos foi o interlocutor de todos os Presidentes Portugueses em Democracia, durante quatro décadas, constituindo um protagonista decisivo nas relações entre os Estados e os Povos Angolano e Português. Portugal testemunha o respeito devido a essa longa memória, em período determinante para o nascimento e o arranque da CPLP e do engrandecimento das nossas relações bilaterais após a descolonização.
Foi neste prédio onde vivi em Luanda em 1985-86. Os outros dois edifícios na época ainda não existiam.
Foi há 36 anos que comemorei pela primeira e única vez na vida o Fourth of July. Vivia eu num dos edifícios de Luanda destinados aos estrangeiros ao serviço do Ministério dos Petróleos e um americano do Tennessee, que eu só conhecia do elevador, teve a simpatia de me convidar para uma “party” no seu apartamento. Não seríamos mais de vinte e de várias nacionalidades, mas foi interessante até porque eu não tinha a noção da importância que os americanos dão ao dia em que as treze colónias declararam a separação formal do Império Britânico.
Trabalhei em Luanda para o Ministério dos Petróleos nos anos de 1985 e 86, ainda o MPLA lutava contra a UNITA, e nunca me pareceu que a culpa da miséria fosse do Povo. Seria da nomenclatura do poder instalado, mas muito mais dos europeus a quem toda a situação era financeiramente favorável.
Comentários no Facebook
«João Greno Brògueira» - Principalmente da ELF que estava muito bem instalada nessa altura lá. Eu estive em Luanda durante a FIL no hotel turismo antes da sarrabulhada entre o MPLA e a UNITA.. David Ribeiro ainda visitei o Mercado Roque Santeiro acompanhado dum sujeito do MPLA. ;) Diz lá se não ia uma lagosta da foz do kuanza grelhada acompanhada dumas cucas. ;)
«David Ribeiro» - Cucas já não havia no meu tempo, bebíamos Stella Artois. Lagostas na Barra do Kuanza eram fabulosas, arranjadas ali mesmo na praia, junto do farol. O mercado Roque Santeiro visitava-o todos os sábados. No meu tempo a Elf ainda lá estava mas quem dominava o petróleo era a Fina belga.
«Mario Ferreira Dos Reis» - Só mudaram as marcas as lagostas são as melhores
Depois de uma “Luta Armada de Libertação Nacional” de 13 longos anos e uma descolonização atabalhoada, a que se seguiu uma guerra fratricida entre MPLA e UNITA, com início em 1975 e que só terminou em Abril de 2002 com a morte de Jonas Savimbi, o regime angolano chefiado por José Eduardo dos Santos sempre lidou mal com as liberdades fundamentais dos cidadãos. Esta semana Angola condenou 17 activistas do “direito à oposição” a penas de prisão efectiva, que vão de dois anos e três meses a oito anos e meio, por “co-autoria de actos preparatórios para uma rebelião e atentado contra o Presidente da República, por falsificação de documentos e associação criminosa”. Se o regime angolano tratasse mas é de acabar com a pobreza dominante entre uma riqueza chocante, é que fazia bem.
Penas aplicadas pelo tribunal de primeira instância:
Domingos da Cruz Maninho, oito anos e seis meses de prisão efectiva;
Luaty Beirão, cinco anos e seis meses de prisão efectiva;
Nuno Álvaro Dala, Sedrick de Carvalho, Manuel Chivonde Nito Alves, Inocêncio de Brito, Laurinda Manuel Gouveia, Fernando António Tomás “Nicola”, Mbanza Hamza, Osvaldo Sérgio Correia Caholo, Arante Kivuvu, Albano Evaristo Bingo, Nelson Dibango Santos, Itler Samassuku e José Gomes Hata, quatro anos e seis meses de prisão efectiva;
Rosa Conde e Dito Dalí (Benedito Jeremias), dois anos e três meses de prisão efetiva.
Comentários no Facebook
«Zé Carlos» >> Complicadas as coisas em Angola
«David Ribeiro» >> São e sempre foram Zé Carlos. Em 1985, estava eu a trabalhar no Ministério dos Petróleos em Luanda, o II Congresso Ordinário do MPLA determinava a “necessidade de o Partido elevar a formação política e ideológica dos seus membros e melhorar a capacidade de direcção dos seus quadros” esquecendo-se completamente das necessidades básicas do Povo. Nos meses seguintes a cidade de Luanda era invadida pelos “da mata”, soldados combatentes que vinham ocupar os lugares de polícia da capital e nos lugares de chefia da hierarquia do Estado era exactamente a mesma coisa. Era a altura, na minha opinião de simples “estrangeiro residente”, de se iniciarem as transformações políticas, económicas e sociais necessárias, mas a guerra com a Unita desculpava tudo… e também ainda havia cubanos e soviéticos por lá, o que fazia toda a diferença. Mas a guerra civil acabou e as coisas até pareciam ir levar outro rumo… mas continuou tudo praticamente na mesma: os ricos cada vez mais escandalosamente ricos e os pobres cada vez mais na miséria. Até quando?
«Zé Carlos» >> Pois, uma tragédia nunca vem só e a transferencia de soberania para as ex colónias foi um desastre, para os que lá estavam e para os que tiveream de fugir
«Humberto Moreira» >> Estes anormais cavam a sepultura do proprio regime e crian o seu proprio golpe de estado que os destituirá !
Por onde eu ando...
Nova Crítca - vinho & gastronomia
PINN (Portuguese Independent News Network)
Meus amigos...
A Baixa do Porto (Tiago Azevedo Fernandes)
Antes Que Me Passe a Vontade (Nanda Costa)
Caderno de Exercícios (Celina Rodrigues)
Cerâmica é talento (Pataxó Lima)
Clozinha/and/so/on (Maria Morais)
Do Corvo para o Mundo!!! (Fernando Pimentel)
Douro de ouro, meu... (Jorge Carvalho)
Douro e Trás-os-Montes (António Barroso)
Escrita Fotográfica (António Campos Leal)
Let s Do Porto (José Carlos Ferraz Alves)
Life of a Mother Artist (Angela Ferreira)
Marafações de uma Louletana (Lígia Laginha)
Matéria em Espaço de Escrita com Sentido (Mário de Sousa)
Meditação na Pastelaria (Ana Cristina Leonardo)
Memórias... (Boaventura Eira-Velha)
Mente Despenteada (Carla Teixeira)
Nortadas (Francisco Sousa Fialho, João Anacoreta Correia e outros)
O Portugal Futuro (Tiago Barbosa Ribeiro)
O Porto em Conversa (Vitor Silva)
Os meus apontamentos (Vitor Silva)
Renovar o Porto (Rui Farinas e Rui Valente)
Reportagens de Crítica, Investigação e Opinião (Tron)
Que é que se come por aqui (Ricardo Moreira)
Servir o Porto (Pedro Baptista)
Um Rapaz Mal Desenhado (Renato Seara)
Vai de Rastos (Luís Alexandre)
(IN)TRANSMISSÍVEL (Vicente Ferreira da Silva)
Adoradores de Baco...
Site de Prova de Vinhos (Raul Sousa Carvalho)